Questão número 667870

[O motor da preguiça]

      Acho que a verdadeira força motriz do desenvolvimento humano, a razão da superioridade e do sucesso do Homem, foi a preguiça. A técnica é fruto da preguiça. O que são o estilingue, a flecha e a lança senão maneiras de não precisar ir lá e esgoelar a caça ou um semelhante com as mãos, arriscando-se a levar a pior e perder a viagem? O que estaria pensando o inventor da roda senão no eventual desenvolvimento da charrete, que, atrelada a um animal menos preguiçoso do que ele, o levaria a toda parte sem que ele precisasse correr ou caminhar?

    Toda a história das telecomunicações, desde os tambores tribais e seus códigos primitivos até os sinais da TV e a internet, se deve ao desejo humano de enviar a mensagem em vez de ir entregá-la pessoalmente. A fome de riqueza e poder do Homem não passa da vontade de poder mandar os outros fazerem o que ele tem preguiça de fazer, seja de trazer os seus chinelos ou construir suas pirâmides.

     A química moderna é filha da alquimia, que era a tentativa de ter o ouro sem ter que procurá-lo, ou trabalhar para merecê-lo. A física e a filosofia são produtos da contemplação, que é um subproduto da indolência e uma alternativa para a sesta, A grande arte também se deve à preguiça. Não por acaso, o que é considerada a maior realização da melhor época da arte ocidental, o teto da Capela Sistina, foi feita pelo Michelangelo deitado. Marcel Proust escreveu Em busca do tempo perdido deitado. Vá lá, recostado. As duas maiores invenções contemporâneas, depois do antibiótico e do microchip, que são a escada rolante e o manobrista, devem sua existência à preguiça. E nem vamos falar no controle remoto. 

(Adaptado de: VERISSIMO, Luis Fernando. O mundo é bárbaro. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008, p. 54-55) 

Está clara e correta a redação deste livre comentário sobre o texto:

    A) Ao colocar na mesma frase os termos chinelos e pirâmides, o autor usufrue de seu talento para um efeito de humor no qual não estamos isentos.

    B) É notória a capacidade que tem esse cronista de, por meio de um humor sagaz e extremamente crítico, levar seus leitores ao riso irônico.

    C) Conquanto não se deve rir da técnica e da ciência, esse autor as submete ao ridículo quando as atribui o valor da preguiça que lhes motiva.

    D) Até mesmo as artes não deixam de escapar dos atributos da preguiça, cujos se tornam essenciais para seu desempenho de grandes criações.

    E) Estaria numa lei do mínimo esforço as razões segundo as quais nosso trabalho seria amenizado no caso de satisfizermos a nossa preguiça.

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