Questão número 668510

TEXTO I
Poética


Estou farto do lirismo comedido Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente protocolo
                                                 [e manifestações de apreço ao sr. diretor
Estou farto do lirismo que para e vai averiguar no dicionário

                        [o cunho vernáculo de um vocábulo

Abaixo os puristas

Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis

Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo.

De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de cossenos
[secretário do amante exemplar com cem modelos de cartas
[e as diferentes maneiras de agradar às mulheres, etc. Quero antes o lirismo dos loucos O lirismo dos bêbados O lirismo difícil e pungente dos bêbados O lirismo dos clowns de Shakespeare

- Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.

MANUEL, Bandeira. Estrela da vida inteira. 5ª ed. Livraria José Olympio: Rio de Janeiro, 1974. 

TEXTO II
Nova Poética


Vou lançar a teoria do poeta sórdido.
Poeta sórdido:
Aquele em cuja poesia há a marca suja da vida.
Vai um sujeito.
Sai um sujeito de casa com a roupa de brim branco muito
                [bem engomada, e na primeira esquina
                [passa um caminhão, salpica-lhe o paletó
                 [ou a calça de uma nódoa de lama:

É a vida.

O poema deve ser como a nódoa no brim:
Fazer o leitor satisfeito de si dar o desespero.
Sei que a poesia é também orvalho.
Mas este fica para as menininhas, as estrelas alfas,

[as virgens cem por cento e as amadas
[que envelheceram sem maldade.

MANUEL, Bandeira. Estrela da vida inteira. 5ª ed. Livraria José Olympio: Rio de Janeiro, 1974.
Analise atentamente as proposições abaixo feitas sobre os textos I e II e assinale o item em que há informação correta

    A) A estética modernista propõe, em sua fase heroica, uma ruptura com todo o tradicionalismo anterior; assim, percebem-se, em meio ao gênero lírico, traços característicos da tipologia narrativa nos dois textos, como está claro nas seguintes passagens: “Estou farto do lirismo que para e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo / Abaixo os puristas” (texto I) e “Vai um sujeito. / Sai um sujeito de casa com a roupa de brim branco muito bem engomada, e na primeira esquina passa um caminhão, salpica-lhe o paletó ou a calça de uma nódoa de lama:” (texto II).

    B) Sobressai, nos dois textos, a função metalinguística da linguagem, o que se justifica pela preocupação com a forma – principalmente no uso dos versos livres – presente em ambos os textos, já que é uma característica central desse tipo de função da linguagem.

    C) No texto I, há apenas contestação à estética romântica, foco principal de ataques dos primeiros modernistas, como se constata no seguinte excerto “Estou farto do lirismo que para e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo”.

    D) No texto II, o sujeito poético cria a metáfora do “poema orvalho”, presente na última estrofe, com o intuito de fazer uma clara referência à poética parnasiana, muito criticada pelos modernistas da primeira fase.

    E) Mesmo distantes no tempo, em relação aos seus momentos de produção – “Poética” (Libertinagem - 1930); “Nova poética” (Belo belo - 1948) –, os dois poemas mantêm pontos de convergência no plano da forma e do conteúdo, revelando marcas próprias do Modernismo da primeira fase: liberdade formal e contestação a estéticas literárias anteriores.

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