Coração numeroso
Foi no Rio.
Eu passava na Avenida quase meia-noite.
Bicos de seio batiam nos bicos de luz estrelas
inumeráveis.
Havia uma promessa do mar
e bondes tilintavam,
abafando o calor
que soprava no vento
e o vento vinha de Minas.
Meus paralíticos sonhos desgosto de viver
(a vida para mim é desejo de morrer)
faziam de mim homem-realejo imperturbavelmente
na Galeria Cruzeiro quente quente
e como não conhecia, ninguém a não ser o doce vento
mineiro,
nenhuma vontade de beber, eu disse: Acabemos com
ISSO.
Mas tremia na cidade uma fascinação casas
 compridas
 autos estendidos correndo caminho do mar
 voluptuosidade errante do calor
 mil presentes da vida aos homens indiferentes,
 que meu coração bateu forte, meus olhos inúteis
 choraram.
 
 O mar batia em meu peito, já não batia no cais.
  A rua acabou, quede como árvores?  a cidade sou eu 
 a cidade sou eu
 sou eu a cidade
 meu amor.
 
  Fonte: ANDRADE, Carlos Drummond de.  Alguma 
 Poesia .